quarta-feira, dezembro 14, 2005

Língua Portuguesa

Apresento uma redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa.


" Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida.O artigo, era bem definido, feminino, singular.
Era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, ilábica, um pouco à tona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir.


E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro. Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos.

Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento. Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante.

Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo. Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo. Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente.

Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros. Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.

Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular. Ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.

Nisto a porta abriu-se repentinamente.

Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.
Que loucura, meu Deus.

Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que, as condições eram estas. Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história.

Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva".

6 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Brilhante! Mas precisaria de saber um pouco mais de grmática para perceber o texto na íntegra.
Acho que esta ideia poderá ser um repto para quem, noutras áreas do saber, invista na criação de um texto onde cada palavra tem e não tem sentido, ou melhor insinua-se poeticamente, manifesta-se criativamente.

Luís

dezembro 14, 2005  
Anonymous Anónimo disse...

Está o máximo, adorei. Concordo com o Luís, precisava de saber mais de gramática, de qualquer modo está muito criativo. Obrigada por este texto :)
Beijinhos
Lígia

dezembro 15, 2005  
Blogger Carla Motah disse...

Uma boa aula de gramática, é o que é!:)
Beijinhos

dezembro 16, 2005  
Blogger Andreia Azevedo Moreira disse...

Do conhecimento surgem muitas vezes coisas geniais. Este texto é genial. Tenho igualmente pena, como já algumas pessoas o expressaram anteriormente, de não conhecer todos os termos empregues, nem de ter um conhecimento tão profundo de gramática que me permitisse apreciar ainda mais o texto! Muito bom! Bjinhos.

dezembro 16, 2005  
Blogger être et avoir disse...

Obrigada a todos! Assim, já não me sinto a blogar para o boneco!!! Bjs!

dezembro 16, 2005  
Anonymous Anónimo disse...

Eu sei que disse que ai estudar! OOPPS! Vou já!
Está muito giro!

dezembro 25, 2005  

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